A dor e a delícia de viver em uma cidade turística
Nasci e vivi em São Paulo, quase toda a minha vida. Conhecida como destino de negócios, nunca foi uma cidade com vocação turística. Aprendi cedo a conviver com o concreto, o trânsito sem hora, a correria, a desigualdade explícita em cada esquina. Mas também com o pôr do sol da zona oeste, os ipês floridos, a família e amigos por perto.
Muito bem, mudei para Lisboa. Cidade que, desde 2009, vem sendo eleita como o Melhor Destino da Europa pelo World Travel Awards, um dos prêmios mais importantes do setor do turismo. Dona de uma luz sem igual, muitas praças, comida boa e vistas magnificas, a partir de suas sete colinas.
Mas como sabemos, tudo tem dois lados, Yin e Yang…
Apesar, ou por causa, dessa beleza, também sofre as dores do crescimento desordenado. Há pessoas demais, espaço de menos, desigualdades acentuando-se, a cada dia. Os antigos moradores foram varridos do centro da cidade para dar espaço ao alojamento local e à ganância imobiliária.
Pergunto-me: quem ganha com isso?
Como visitante de Portugal, há mais de três décadas, e moradora de Lisboa, há mais de três anos, não posso deixar de lamentar o que está acontecendo. Uma avalanche de turistas, àvidos por consumir as belezas da cidade, à pressa, incentivados pelo turismo voraz que não respeita tradições, o espaço público e os moradores.
Será que esse crescimento é sustentável?
Certamente não é. Os moradores e comerciantes “raiz” estão passando à frente suas casas e negócios para aqueles que surfam a onda. As bolinhas deram lugar ao bagel, o vinho verde ao Spritz, o queque ao muffin, o português ao inglês.
Perder a identidade é o começo do fim. E quando o interesse passar e a moda virar suas velas para outros rios, sobrará uma cidade oca, sem alma. Cheia de lindos imóveis remodelados, porém fechados aos cidadãos locais, ao comércio tradicional e à cultura ancestral.
É preciso um olhar generoso para a beleza
Apreciar e contemplar, sem danificar ou subtrair. Quando entramos na casa de alguém, devemos ter respeito por ela. Pedir licença, comer o que é oferecido e estar aberto à cultura e valores dos seus anfitriões.
Não acredito que alguém viaje, atravesse o oceano, apenas para tirar fotografias em frente a monumentos para postar nas redes sociais. Estudar a cultura local, experimentar os sabores e saberes locais é o que faz a experiência toda valer a pena.
Neste momento, em Lisboa, é preciso procurar os fiapos de identidade escondidos, em alguns redutos. Bairros mais afastados, onde as praças ainda recebem crianças após as aulas e senhores aposentados jogam torneios de sueca, ao cair da tarde.
O lugar que habitamos influencia nossa energia, portanto, cuidar é preciso.
Até pra semana!
Bj Bj
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